Barreira para impedir circulação de pessoas pode afetar mamíferos e aves; trabalho de cientistas já é prejudicado por policiamento.

A proposta de construir um muro na fronteira entre EUA e México, um dos temas mais quentes da campanha eleitoral americana, não afetaria apenas os cidadãos dos dois lados da divisa. O que essa construção significaria para a vida selvagem da região?

Desde a oficialização de Donald Trump, o autor da proposta, como candidato à Presidência pelo Partido Republicano, cresceu o debate em torno da imigração, da viabilidade econômica e das consequências sociais de um muro – mas pouco se falou sobre os impactos ambientais.

A região da fronteira entre os Estados Unidos e o México tem um ecossistema delicado localizado entre dois biomas, com migrações regulares de animais e aves entre o sul e o norte do continente americano.

A área é lar para uma população diversificada de mamíferos, aves e plantas, incluindo o famoso papa-léguas e o cacto saguaro, um dos símbolos do sudoeste americano.

O ecossistema árido também é lar para pumas, carneiros selvagens do deserto e jaguatiricas – espécie muito ameaçada na região e da qual sobraram apenas cerca de 50 exemplares no sul do Estado do Texas.

E animais também são suscetíveis a qualquer fronteira artificial, tanto muros como estradas, ferrovias e todo tipo de infraestrutura construída pelo homem.

“A infraestrutura de fronteira não apenas bloqueia o movimento da vida selvagem, como destrói ou fragmenta habitats e a conexão que os animais usam para se movimentar de um lugar para outro”, explicou à BBC Sergio Avila-Villegas, do Museu do Deserto de Sonora, em Tucson, no Arizona.

A redução de áreas de acasalamento desses animais também pode diminuir a diversidade genética, o que torna estas espécies mais suscetíveis a doenças. As barreiras humanas podem interromper a polinização, prejudicar bacias hidrográficas e cursos d’água e, com isso, até causar enchentes que também destroem habitats.

Movimento de populações
Existem vários exemplos históricos de como construções deste tipo de infraestrutura prejudicaram ecossistemas. Um deles é o Vale do Antílope, na Califórnia, onde dezenas de milhares de antílopes morreram na década de 1880 pois não conseguiam atravessar para o outro lado da recém-construída ferrovia.

Várias espécies na região da fronteira entre os Estados Unidos e México precisam cruzar a área para acasalar com seus primos, que são geneticamente diferentes, incluindo o jaguar norte-americano, uma espécie ameaçada.

Ursos negros, que foram reintroduzidos no Texas na década de 1990, ficariam ameaçados se fossem impedidos de acasalar com ursos mexicanos.

Clint Epps, biólogo especialista em animais silvestres na Universidade Estadual do Oregon, contou que as espécies cruzam a fronteira há milhões de anos, e uma barreira física mudaria isso com consequências significativas.

“Para algumas espécies, como o carneiro selvagem do deserto, há uma população considerável dos dois lados da fronteira. Mas eles dependem da movimentação para manter a diversidade genética e recolonizar habitats nos quais eles sofreram extinções locais”, explicou.

Epps afirma que a liberdade de movimento das espécies se torna ainda mais importante com o aquecimento global, porque os animais vão precisar se movimentar para encontrar ambientes mais propícios.

Uma barreira que fechasse completamente a região poderia levar à perda de espécies locais ou até à criação de novas espécies, diferentes, como resultado da separação das populações.

A cerca
Já existe uma barreira entre Estados Unidos e México. Ela não é totalmente fechada, mas já foram observados animais aflitos na região, incluindo o leão da montanha e o lince. Até aves foram afetadas.

Atualmente, 40% da fronteira de cerca de 3,2 mil quilômetros entre os dois países é murada, formada por uma série de barreiras dispersas. Grande parte desta construção foi feita em 2006, para deter imigrantes ilegais e o tráfico de drogas.

A construção da muralha planejada por Trump, que teria entre 10 e 20 metros de concreto, também traria um aumento na atividade humana na região com a construção de estradas e a presença de máquinas pesadas, trabalhadores e lixo.

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É difícil prever exatamente como tudo isso afetaria a fauna e flora locais. Há poucos dados de referência, e os cientistas têm relatado cada vez mais dificuldades para conseguir acesso à região. Avila-Villegas e Epps disseram à revista Nature, na semana passada, que agentes que patrulham a fronteira interrompem o trabalho deles pedindo explicações e credenciais.

“O aumento do policiamento e do tempo que as patrulhas passam na fronteira não facilitam (o trabalho) dos pesquisadores. Por exemplo, o trabalho norturno de (monitorar) corujas chama a atenção da polícia”, explicou Avila-Villegas.

“Toda vez que viajo pela fronteira tenho que explicar não apenas quem sou e onde trabalho mas que tipo de trabalho faço, porque estou na fronteira e porque estou fazendo fotos.”

História
Na década de 1950, o governo da Austrália construiu uma cerca de 4,8 mil quilômetros no sudeste do país para evitar que cães selvagens, os dingos, atacassem ovelhas em fazendas.

Conseguiu-se isolar as ovelhas, mas também os cangurus que eram atacados pelos dingos. Com isso, a população de cangurus aumentou e começou a competir com as ovelhas por pastos.

Na Guerra Fria, a Alemanha Ocidental e a Oriental foram separadas não apenas pelo Muro de Berlim, mas por uma série de barreiras, torres e soldados armados.

A faixa de 1,2 mil quilômetros acabou se transformando em uma área onde a natureza foi preservada.

Depois da queda do muro, cientistas localizaram na região dezenas de espécies que estavam ameaçadas na Alemanha Ocidental. Agora a área faz parte de um importante cinturão verde que corta a Alemanha.

A barreira mais famosa do mundo é a Muralha da China, que não teve um grande efeito na movimentação de animais. Ela foi construída em momentos diferentes da história chinesa para proteger as comunidades agrícolas do país das invasões de nômades do norte.

A muralha é, na verdade, uma série de construções distintas: em alguns locais é apenas montes de terra pisada; algumas partes estão destruídas devido à erosão e pelo fato de moradores locais terem tirado partes do material para construir.

Em outras partes ela realmente é impenetrável, e cientistas descobriram que em Juyong-guan, perto de Pequim, existe uma barreira física para o fluxo de genes entre as populações.

Com exceção da cerca entre México e Estados Unidos, iniciada em 2006, a maioria das barreiras construídas recentemente levam em conta o meio ambiente, como os túneis para porco-espinhos na Holanda ou as redes para coalas na Austrália.

Mas os planos para o muro de Trump não parecem incorporar áreas de passagem para grandes mamíferos, e a eventual barreira provavelmente significaria uma grande intervenção ecológica na região.

Fonte: G1 Natureza

Tamara leitte

Autor Tamara leitte

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