Como diz a orelha do livro em seu primeiro parágrafo: este livro é uma daquelas obras premonitórias que “jamais esqueceremos e da qual lembraremos quando os fatos por ela anunciados começarem a acontecer”. O resenhista da orelha faz questão de ressaltar que “isso não vai demorar a acontecer”.

Sim, o livro é antigo para os modelos de velocidade atuais. É de 2010. Mas de lá para cá, o mundo vivenciou várias catástrofes provocadas por alterações climáticas. O autor, Harald Welzer, de 61 anos, é diretor do Centro de Pesquisas Interdisciplinares sobre a Memória do Instituto de Ciências Culturais de Essen, na Alemanha. Também é professor e pesquisador na área de Psicologia Social da Universidade Witten/Herdecke.

O livro de Welzer é um grito no deserto árido onde estão sepultadas nossas esperanças de um mundo melhor. O título de abertura do livro é bastante provocativo para você começar a mudança: Um Barco no Meio do Deserto: O Passado e o Futuro da Violência. Ele inicia o livro narrando uma história que poucos de nós conhecemos: a trajetória nada amistosa do vapor “Eduard Bohlen”. Este navio, de bandeira alemã, era originalmente usado como transporte de correspondências entre a Alemanha e a África, mas durante a guerra genocida travada pela administração colonial alemã, na Namíbia, contra as tribos Hereros e Namas, ele serviu de “navio negreiro”, em pleno início de século 20, para transportar prisioneiros negros que eram levados para campos de concentração ou trabalhos forçados e vendidos como trabalhadores escravos. Este navio, no dia 5 de setembro de 1909, por causa de um forte nevoeiro, encalhou diante da costa do território que na época se chamava África do Sudoeste Alemã (atual República da Namíbia).

Mas, o que este navio tem a ver com alterações climáticas? Muito simples, só revela para o mundo o quanto o mar recuou em 100 anos. Hoje, os destroços desse navio estão em pleno deserto, a uma distância de 200 metros do mar… O que fez o mar recuar tanto em 100 anos?

Welzer não quer discutir apenas o clima. Ele envereda, na verdade, para as consequências das alterações, como o deslocamento de grandes contingentes de pessoas em busca de sobrevivência. Alguns lugares serão afetados pelo aumento de áreas desérticas e calor insuportável; alguns países terão suas áreas costeiras invadidas pelo mar cujas ondas solaparão os alicerces dos edifícios. Não serão poucas as cidades atingidas. Na mira do aumento do nível do mar estão, a longo prazo, por exemplo, New York e Miami. A curto prazo já se pode verificar essa ação nefasta do mar na praia da Pipa, no Rio Grande do Norte.

Os conflitos sobre o espaço vital e recursos, consequência do aquecimento global, provocarão, na ótica de Welzer, uma ampliação exponencial da violência nas sociedades ocidentais nas próximas décadas. Com a escassez de recursos e de espaços, a sobrevivência de milhões de pessoas estará ameaçada e isso provocará migrações maciças e incontroláveis que certamente serão reprimidas nas fronteiras dos países menos afetados, levando a uma guerra de todos contra todos, bem no estilo hobbesiano.

Aliado aos problemas climáticos está o crescimento populacional do mundo. Devemos chegar a 9 bilhões de seres humanos até 2050 e a 11 bilhões na virada do século 21 para o 22. O aquecimento global deve comprometer a produção de alimentos. Somados, problemas climático, falta de água e alimentos e disseminação de novos vírus e doenças, a população mundial corre o risco de um morticínio só compatível com os grandes cataclismas que alteraram a face geológica da terra, como a última glaciação, ocorrida na última parte do Pleistoceno, entre 110.000 e 12 mil anos atrás.

Com o aquecimento global e suas consequências, milhares de espécies de peixes de rios, lagos e mares continuarão desaparecendo de forma progressiva; as regiões costeiras serão ameaçadas por inundações frequentes — veja a situação da Baixada Santista, em especial Guarujá, Santos e São Vicente que nos primeiros dias de março de 2020 as chuvas e inundações mataram, até dia 10, 44 pessoas.

No final do livro, Welzer afirma com convicção que o mundo do século 21 tem carência é de modelos sociais adequados para o futuro e, aqui, o resultado é político. Somente a ação política poderá mudar o panorama do futuro.

 

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