A proliferação do mexilhão-dourado tornou o molusco uma praga nos rios e nos reservatórios de água doce da região Sul do Brasil. Seu principal impacto é econômico: a espécie se fixa em superfícies submersas e forma incrustações que trazem prejuízo financeiro em usinas hidrelétricas. Suas colônias podem atingir densidades de mais de 100 mil indivíduos por metro quadrado.
O molusco já está presente em pelo menos 50 hidrelétricas brasileiras, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Uma usina de pequeno porte afetada tem prejuízo diário de cerca de R$ 40 mil a cada dia de paralisação. A Usina de Itaipu, que está na lista de atingidas, aumentou o volume de manutenção das turbinas após a chegada da espécie invasora, gerando custos diários extras de cerca de US$ 1 milhão por dia de limpeza.
Amazonas, Tocantins e Araguaia
O mexilhão-dourado é uma das três espécies exóticas invasoras que são alvo de planos de controle do Ibama. Em dezembro de 2018 o órgão publicou o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Mexilhão-dourado no Brasil.
O documento tem dois objetivos principais. O primeiro é prevenir a dispersão do molusco em áreas não-invadidas e controlar a população das áreas invadidas durante os próximos cinco anos. No período de 25 anos, a meta é a manutenção de bacias hidrográficas não-invadidas, com prioridade para as regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia.
Para isso, o Ibama promete no plano estimular a pesquisa científica sobre o tema e difundir informações importantes para o controle e prevenção da espécie.
Nesta semana, o Desafio Natureza do G1 publica uma série de reportagens sobre impactos ambientais, sociais e econômicos que as espécies invasoras causam a partir da história do javali, do sagui-de-tufos-pretos, do mexilhão-dourado e do pinheiro.
“Ele vai se incrustando sobre si mesmo e vai formando massas cada vez maiores de modo que mesmo tubulações muito grandes podem ser completamente fechadas pela presença dele”, explica Alex Nuñer, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que coordena pesquisas sobre a espécie.
Além disso, a espécie pode causar problemas em estações de tratamento de esgoto e de água. “Já existem estações de tratamento de água que foram contaminadas pelo mexilhão no Paraná e Rio Grande do Sul e, por enquanto, não há nenhum produto liberado para combater a espécie nesse tipo de ambiente”, explica Otto Mäder, engenheiro mestre em engenharia de materiais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Esse vai ser o próximo desafio da invasão de mexilhão-dourado no Brasil.”
O prejuízo trazido pela espécie asiática também é ambiental. Por ser um animal filtrador, ele se alimenta de várias espécies nativas dos rios brasileiros. De acordo com o Ibama, sua presença já foi registrada em ao menos 27 unidades de conservação, incluindo parques estaduais e estações ecológicas.
Como a invasão é recente – começou nos anos 1990 e ganhou força a partir de 2001 – os resultados do desequilíbrio ambiental ainda estão sendo estudados. No entanto, já se sabe que sua presença afeta o ciclo de nutrientes no ambiente aquático e promove mudanças na fauna de peixes.
— Foto: Roberta Jaworski/G1
Qual é o problema do mexilhão-dourado?
Além do entupimento de tubulações, que provoca aumento nas paradas para limpeza e manutenção de hidrelétricas, o mexilhão-dourado também reduz a eficiência de sistemas de resfriamento presentes em barcos e balsas. Tudo isso gera um grande aumento de gastos que está preocupando pesquisadores e empresários.
Em Anita Garibaldi, cidade catarinense às margens do rio Canoas, um exemplo do impacto do mexilhão-dourado ocorre no serviço de balsa de Santa Ana.
“[O mexilhão-dourado] bagunça, gruda nos encanamentos, por baixo do rebocador, do lado”, conta Antônio Jerônimo da Silva, condutor da balsa. “Tem que estar sempre limpando os encanamentos e [o casco] embaixo da balsa.”
O principal dano que a espécie causa ali são as incrustações que envolvem as tubulações de resfriamento do motor. Para evitar que o motor acabe danificado pelo calor excessivo, a equipe do balseiro aumentou a frequência da limpeza.
Balsa de Santa Ana, em Anita Garibaldi/SC, é afetada pelo mexilhão-dourado — Foto: Celso Tavares/G1
Perto dali, no reservatório da Usina Hidrelétrica de Campos Novos, também no rio Canoas, pesquisadores da UFSC estão estudando a proliferação do mexilhão-dourado na região.
Junto com Campos Novos, outras três hidrelétricas catarinenses – Machadinho, Itá e Foz do Chapecó – se uniram para financiar pesquisas acadêmicas sobre a espécie invasora. No momento, os biólogos analisam os efeitos colaterais do molusco na bacia do rio Uruguai e avaliam possíveis mecanismos de controle biológico.
Hidrelétrica de Campos Novos é alvo de pesquisa da UFSC sobre mexilhão-dourado — Foto: Celso Tavares/G1
“Por enquanto o objetivo é medir a presença do mexilhão nesses cinco reservatórios”, explica Alex Nuñer, coordenador da pesquisa. Para isso foram instaladas boias coletoras que captam a água dos reservatórios das hidrelétricas em diferentes profundidades. No futuro, a ideia é tentar encontrar predadores naturais para que a população da espécie invasora possa ser controlada.
Enquanto isso não acontece, as hidrelétricas empregam produtos químicos para diminuir os efeitos negativos do mexilhão-dourado. “Hoje, apenas dois produtos são liberados pelo Ibama para o controle dessa espécie”, explica Otto Mäder, engenheiro e representante da MaxClean. A empresa fabrica um dos produtos liberados, feito à base de taninos. Ele forma uma película anti incrustante nas tubulações que impede que o molusco se fixe.
O outro produto liberado para uso pelo Ibama é feito à base de cloro e age diminuindo a densidade de larvas e mexilhões adultos na água. Sua desvantagem: o cloro também aumenta a corrosão de materiais metálicos.
O rio Canoas, em Anita Garibaldi, é um dos locais acometidos pelo mexilhão-dourado em Santa Catarina — Foto: Celso Tavares/G1
Além do prejuízo às hidrelétricas, os pesquisadores da UFSC já verificaram também impactos do mexilhão-dourado no meio ambiente.
“Do ponto de vista ambiental, por ele ocorrer em colônias muito, muito grandes, boa parte daquela água onde ele se encontra acaba sendo filtrada”, explica Nuñer.
Nessa filtragem são consumidos microrganismos que poderiam servir de alimento para peixes e outras espécies nativas. Desse modo, a fauna de peixes é afetada: pode ocorrer, por exemplo, o aumento de densidade de algumas espécies e a diminuição de outras.
No Lago Guaíba, no Rio Grande do Sul, a presença da espécie invasora reduziu a área de cobertura dos juncais, formação vegetal típica da região. Como os juncais são habitat de diversos peixes, a redução dessa vegetação acarretou a diminuição de recursos pesqueiros.
Como o molusco é filtrador, metais pesados como mercúrio, cádmio e chumbo podem acabar se acumulando em seu interior. “Existe então o risco de bioacumulação de substâncias tóxicas em peixes quando os animais se alimentam desse mexilhão”, diz Nuñer.
O molusco também altera a qualidade da água onde está presente. Ele diminui a concentração de matéria orgânica e eleva os teores de amônia, nitrato e fosfato. A água torna-se mais transparente e clara, por conta da filtragem.
O mexilhão-dourado se fixa em substratos como pedaços de madeira — Foto: Celso Tavares/G1
Como ocorreu a invasão?
Originário do Sudeste Asiático e da China, o mexilhão-dourado foi trazido para a América do Sul por meio da água de lastro de navios no início da década de 1990. A água de lastro serve para garantir estabilidade na navegação. Coletada no ponto de partida da viagem, ela é lentamente despejada por onde o navio passa. Barcos vindos da Ásia levaram a água contaminada por larvas do mexilhão para a Argentina, onde ele se proliferou rapidamente pela Bacia do Prata.
Os primeiros registros do animal no Brasil ocorreram em 1998 no Rio Grande do Sul. No começo dos anos 2000 já havia relatos de sua presença no Paraná e Mato Grosso do Sul. No Brasil, a proliferação da espécie ocorre em uma velocidade de cerca de 240 quilômetros percorridos a cada ano.
A última região contaminada pelo mexilhão no Brasil é a bacia do rio São Francisco. A chegada do animal no Nordeste preocupa pesquisadores porque há indícios de que a ela se reproduza ainda mais rápido em locais de clima e água quentes.
Foto: Igor Estrella/G1
Apesar de extramente resistente, o mexilhão por si só não é capaz de se espalhar contra a correnteza. Por isso, sua dispersão no Brasil está necessariamente associada a ação humana e ocorre principalmente por meio de quatro vetores: pesca, transporte de areia, transporte fluvial e água de lastro.
Como evitar o mexilhão-dourado?
A divulgação de informações sobre a proliferação do mexilhão-dourado é essencial para evitar novas introduções da espécie, segundo Alex Nuñer.
“O aumento do comércio internacional certamente fez com que esses organismos que antes estavam restritos a alguns lugares se espalhassem mais fácil, especialmente os aquáticos”, explica o professor. “Como a dispersão dessas espécies está muito ligada a ação do homem, agora é preciso ter mais atenção aos nossos atos.”
Algumas medidas essenciais para evitar a proliferação do mexilhão-dourado são:
- Não descartar água de locais contaminados na natureza
- Antes de usar a areia trazida de regiões onde o mexilhão ocorre, deixá-la secar ao sol por pelo menos 15 dias
- Lavar muito bem o exterior de barcos que circulam em áreas com presença de mexilhão antes de transportá-los
- Higienizar equipamentos de pesca com água sanitária depois do uso
- Nunca descartar as vísceras de peixes na pia
Para popularizar essas orientações, o instituto de pesquisa Lactec promoveu uma ação em 58 escolas da região Sul do Brasil com gibis sobre o mexilhão-dourado. O projeto foi desenvolvido em parceria com a Engie Brasil, que administra 11 usinas hidrelétricas.
Gibi distribuído em escolas do Sul ensina a reconhecer mexilhão-dourado — Foto: Reprodução/Lactec
“Junto com o gibi, as escolas receberam exemplares das conchas do mexilhão dourado para que as crianças pudessem conhecer a espécie”, explica Patricia Dammski, pesquisadora do laboratório de biologia da Lactec. Foram produzidos aproximadamente 6 mil exemplares, distribuídos prioritariamente nas escolas que ficam no entorno das usinas hidrelétricas.