Título: A República das Milícias – Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro

Autor: Bruno Paes Manso

Páginas: 304

Data da publicação: 2020

Editora: Todavia

 

Estarrecedor.

É o mínimo que se pode dizer do livro A República das Milícias – Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso.

A obra é um raio-X terrível da realidade do crime no Brasil e seu intrincamento com o mundo político, onde criminosos de todas as espécies, chefes de quadrilha, traficantes, bicheiros se aliam àqueles que deviam combate-los para que, juntos, possam dilapidar o poder público, vender sentenças, perseguir e matar desafetos e adversários.

O escritor fez um extenso trabalho de pesquisa para narrar o surgimento das milícias nos morros e favelas do Rio de Janeiro, ocupando os espaços onde havia completa ausência do Estado. Para ganhar os moradores, os milicianos começaram oferecendo segurança, impondo toque de recolher, proibindo venda de bebidas alcoólicas, até consumo de drogas foi reprimido. Para muitos, os milicianos garantiam a ordem e paz.

Muito rapidamente, milicianos e policiais convergiram para o crime. Traficantes e bicheiros não ficaram de fora. Guerras entre grupos se intensificaram e os morros e favelas do Rio foram transformados em campos de batalhas. Os governos estaduais, preocupados em fazer política, quando não fecharam os olhos aliaram-se aos milicianos e criminosos.

O livro narra cenas dignas do Inferno de Dante e de ditaduras cruéis. Um exemplo é esta passagem: “Depois de morto, ele teve as mãos, os pés e a arcada dentária arrancados por um conhecido das milícias, especialista em não deixar vestígios de corpos e que cobrava quinhentos reais pelo serviço de desaparecer com as provas.”

A união de milicianos e polícia deu origem à presença de forças paramilitares que entraram com força total para participar da pesada disputa pelo controle das mais de 700 comunidades pobres do estado, numa concorrência acirrada e violenta. A dura realidade dos fluminenses e cariocas está estampada de forma vívidas nas sufocantes páginas deste livro.

É neste contexto que surge a ligação do clã Bolsonaro com a rede de paramilitares e milicianos que se formava na zona oeste e se estreitou em 2002 com a eleição de Flávio Bolsonaro para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O deputado, de apenas 22 anos, neófito no Parlamento, pretendia se vender como o representante político e ideológico dos “guerreiros fardados” que lutavam por espaço e poder nos territórios do Rio. Ao longo dos anos, coube a Fabrício Queiroz o papel de principal articulador dessa rede de apoio no mandato do deputado primogênito, assegura Bruno Manso. As milícias, dessa forma, acabam funcionando como um “Estado terceirizado ou leiloado”, expressão usada por seus principais críticos na polícia e na política. Cobram taxas e arrecadam receitas para preservar a governança local, substituindo um Estado fraco e incapaz. É um livro contundente contra os desmandos e as bravatas do capitão Bolsonaro.

No capítulo 1 (Apenas um miliciano) o livro traz uma entrevista com o miliciano Lobo, que narra a história do surgimento das milícias.

O Capítulo 2 (Os elos entre o passado e o futuro) dá início à trajetória do sargento da Polícia Militar, Fabrício Queiróz, lotado no 18º Batalhão, figura chave para conhecer a fundo dos caminhos não públicos da família Bolsonaro e o que ela representa para o mundo do crime.

O Capítulo 3 (As origens em Rio das Pedras e na Liga da Justiça) narra a desastrada atuação do governo estadual e a degradação total do sistema e do aparato estatal em uma cidade. O autor cita como exemplo a atuação do prefeito César Maia. “Maia parecia acreditar que tinha as milícias sob controle. Não acreditava, ou não quis enxergar, que o modelo de negócios dos milicianos poderia desarticular o Estado e se tornar incontrolável, como viria a acontecer mais tarde.” registra o livro, acrescentando que foi “Nessa época de entusiasmo e parceria com as instituições cariocas, os milicianos pareciam achar que não havia limite para suas ações. Pacificação local, controle dos traficantes num período em que as facções aterrorizavam o Rio de Janeiro, assistencialismo via centro social, tudo isso permitiu que eles dessem início a planos mais ambiciosos de poder, concorrendo a vagas no Parlamento, apoiando políticos, estreitando relações até mesmo com secretários de Segurança, seduzindo candidatos que apoiassem seus negócios com votos de seus currais eleitorais.”

O Capítulo 4 (Fuzis, polícia e bicho) apresenta a internacionalização daquilo que havia surgido como pequenas milícias no Rio: o contrabando de armas pesadas que vai desaguar na morte da vereadora Mariele Franco. Critérios frouxos para a concessão de licença para colecionadores e atiradores desportivos e uma fiscalização ineficiente sempre foram brechas para o ingresso de armas no mercado ilegal brasileiro. O livro diz que Ronnie Lessa é o matador de Mariele e traficante de armas pesadas e que ele “tinha certificado de colecionador e atirador desportivo, conferido pelo Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados, concedido em 2018, com validade até 2021. O registro de Lessa era assinado por um tenente-coronel que depois seria preso sob suspeita de desviar munições e armas do setor que controlava”, diz o livro.

O Capítulo 5 (Facções e a guerra dos tronos) marca o surgimento dos grupos de extermínio, como os Cavalos Corredores que, segundo Bruno Manso, era comandado pelo oficial-chefe, coronel Emir Larangeira, que seria eleito deputado em 1992.

O Capítulo 6 (Marielle e Marcelo) é bastante extenso e ao tratar da morte da vereadora traz todo ao arcabouço histórico da famosa Scuderie Le Cocq. Essa escuderia é o grupo de policiais matadores criado para vingar a morte do detetive Milton Le Cocq. O grupo cultuava o símbolo da caveira e pregava o extermínio de bandidos, agindo em sociedade com os bicheiros. Ronnie Lessa fazia parte disso.

O Capítulo 7 (As milícias 5G e o novo inimigo em comum) trata da carreira e assassinato do capitão Adriano da Nóbrega e sua ligação com a família do presidente Jair Messias Bolsonaro. Revela também as ligações dos governadores do Rio, de Moreira Franco a Witzel, passando por Brizola, família Garotinho e Sérgio Cabral Filho, com criminosos, milicianos, bicheiros, policiais bandidos e matadores.

O Capítulo 8 (Cruz, Ustra, Olavo e a ascensão do capitão) é o show de horrores do presidente Jair Bolsonaro. O texto disseca as posturas e as falas de Bolsonaro, desde os panegíricos ao coronel Brilhante Ustra, o torturador do DOPS, e à pandemia do Covid-19, passando pelo famoso artigo publicado na Veja, em 1986 (quando a imprensa “não era mentirosa” porque publicava a versão dele dos fatos) à tentativa de explodir uma bomba de fabricação caseira no quartel sem levar em conta a segurança física de seus colegas de farda e de caserna. O capítulo transcorre seu governo e todas as implicações, denúncias e fatos como as rachadinhas, as fake-news, os comentários do presidente e as tortuosidades dos seus filhos, assessores e amigos no governo.

E por fim, o autor fecha o livro com o último capítulo ao qual deu o nome de Ubuntu, relatando as tentativas do governo Bolsonaro de flexibilizar as regras para porte, posse e venda de armas e para reduzir o controle dos homicídios cometidos pela polícia. Usou a figura do ex-juiz Sérgio Moro para intimidar o Congresso Nacional e a imprensa. O autor acredita que o Brasil ainda tem futuro e que a onda bolsonarista de 2018 aconteceu porque “parte dos brasileiros foi seduzida pela ideia da violência redentora. Diante da crise econômica e da descrença na política, os eleitores escolheram um justiceiro para governa-los. Como se o país decidisse abandonar suas instituições democráticas para se tornar uma enorme Rio das Pedras gerida por princípios milicianos.”

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