Um iceberg gigante deve se romper em breve perto da estação britânica de pesquisa Halley VI, na Antártida- e dessa vez a culpa, segundo pesquisadores, não é do aquecimento global.
Os cientistas Jan De Rydt e Hilmar Gudmundsson passaram anos estudando o local e afirmam que o rompimento será resultado de um processo de erosão natural.
A estação britânica na Antártida, que está localizada numa plataforma flutuante de gelo, foi transferida em 2017 para mais longe da área onde haverá a ruptura.
Infográfico mostra o local da fissura — Foto: Nasa
O bloco que deve se descolar da plataforma deverá ter tamanho equivalente a 150 mil campos de futebol ou a área de uma cidade como Londres, segundo os cientistas. Não está claro quando, exatamente, isso vai ocorrer, mas pode ser a qualquer momento. Os funcionários da estação britânica foram, inclusive, retirados do local por precaução.
Aquecimento global
Assim que o rompimento ocorrer, certamente uma das primeiras perguntas a serem feitas será sobre a influência das mudanças climáticas no episódio.
O time da Northumbria University acredita que já pode responder a esse questionamento com segurança: “A influência é nenhuma”.
Jan De Rydt e Hilmar Gudmundsson construíram um modelo para descrever o comportamento da plataforma flutuante de gelo, conhecida como “Brunt Ice Shelf”.
O Brunt é essencialmente um amálgama de gelo glacial que se descolou do continente e passou a flutuar no oceano a um ritmo de 400 metros por ano.
Pesquisa explica como a fissura 1 se formou, onde começou o rompimento e para onde vai — Foto: JAN DE RYDT
Com satélites e equipamentos de coleta de dados da superfície do gelo, o time revelou como as erosões estão distribuídas pela estrutura de 260 metros de espessura. O modelo de cálculo desenvolvido pelos cientistas consegue prever quando as rupturas devem ocorrer e qual a extensão delas.
“O modelo mostra que as rachaduras no gelo começaram a aumentar como resultado das tensões internas geradas pelo crescimento natural da geleira. A própria geleira criou essa fissura”, diz Hilmar Gudmundsson.
Mas essa rachadura que deve desembocar num rompimento não é a primeira nem única da plataforma de gelo. Há também uma rachadura apelidada de Halloween, descoberta em 31 de outubro de 2016, no dia das Bruxas. Neste caso, também, a explicação não vem do aquecimento global.
“Não há indicação de dados oceanógrafos nem atmosféricos de que o clima está afetando a área de Brunt”, disse Rydt à BBC News.
“Nossas observações do oceano sofrem limitações, mas que o temos não indica a ocorrência de qualquer coisa incomum. Nosso modelo mostra que o que estamos vendo pode ser perfeitamente explicado por mudanças naturais na geometria do gelo”, completou.
Infografia ilustra linhas da fissura de 1915 a 2019 — Foto: Nasa, Ste Lhermitte, USGS, Landsat
Foram Rydt e Gudmundsson que alertaram para a necessidade de mudar a estação de pesquisa Halley VI de local. Eles também recomendaram que a estação fique fechada de março a novembro deste ano.
Há incertezas sobre como a geleira vai reagir à ruptura e não seria inteligente arriscar ter de empreender missões de resgate na escuridão de um inverno polar.
Sem a presença de seres humanos na superfície de gelo, os sinais do rompimento terão que ser captados por equipamentos instalados no local e por observações espaciais.
Os radares do satélite Sentinela 1, da União Europeia, passam sobre a geleira semanalmente e são capazes de identificar não apenas a propagação de fissuras, mas também sutis deformações no gelo.
A tecnologia de coleta remota de dados é processada pela empresa ENVEO (Environmental Earth Observation), que fica em Innsbruck, na Áustria.
Os funcionários da ENVEO são co-autores de um artigo científico com o time da Northumbria University. O texto deve ser publicado na revista acadêmcia The Cryosphere.
Embora o modelo seja capaz de prever fissuras na geleira Brunt, ele não consegue calcular a data exata do rompimento total do bloco de gelo, que produzirá um iceberg de cerca de 1.500 km².
“Eu diria que (o rompimento) vai acontecer a qualquer momento, num prazo de um ano”, diz Gudmundsson.
A base britânica Halley VI funciona sobre pernas hidráulicas e skies que permitem que seja transportada de um ponto a outro facilmente — Foto: BAS