Com tradução esmerada de Celina Portocarrero, o livro Mulheres e Poder – Um Manifesto é uma grande obra de 110 páginas que formaliza na verdade um veemente apelo para o reconhecimento das mulheres como entes políticas, como cidadãs com direitos a vez e a voz, direitos estes que lhes negados desde os tempos homéricos, desde os tempos imemoriais. A autora é uma professora de Clássicos na Universidade de Cambridge e escritora. Ela já publicou vários livros, mas sua obra mais famosa, entre os brasileiros, é SPQR – Uma História da Roma Antiga.

Como uma professora de literatura clássica, ela começa Mulheres e Poder chamando a atenção para um diálogo na Odisséia, que certamente passa despercebido da maioria dos leitores de Homero: É quando Telêmaco, filho de Ulisses, manda sua mãe, Penélope, calar a boca (não vou repetir a história aqui; convido os leitores, em especial as mulheres, a ler o livro de Mary). Essa passagem está no primeiro capítulo, onde a autora defende a voz pública para as mulheres.

Mary Beard tem uma linguagem fluente e bastante simples para quem vem do mundo dos Clássicos. Ele vem fazendo desfilar diante dos nossos olhos histórias incontestáveis do que os homens de poder fizeram com as mulheres na brutal e assassina trajetória dos seres humanos. Penélope foi calada pelo filho que lhe negou o direito de opinar sobre a atuação de bardo (poeta que declamava nas festas antigas), todavia, outras mulheres foram ridicularizadas, martirizadas e mortas “pela insolência” de tentar falar em público.

Ela narra os modos rudes da nobreza romana no trato com as mulheres cujas palavras em público eram tidas como “aberrações antinaturais”, “grunhidos” e “latidos”. Ou como Lucrécia, estuprada por um príncipe da monarquia romana que teve o direito de apenas denunciar em voz alta o estuprador e em seguida anunciar seu próprio suicídio. Ou, como narra Ovídio, em As Metamorfoses aonde a jovem princesa Filomela é estuprada por um “nobre” que, para evitar a que ela o denuncie, lhe corta a língua.

Mas o livro não fica apenas no passado. Ele adentra nossa história contemporânea nos fala de Hillary Clinton e Ângela Merkel, iniciando por Charlotte Perkins Gilman que, em 1915, publicou um conto intitulado “Herland”, narrando a história de uma nação só de mulheres que teria existido dois mil anos atrás. Neste conto ela ironiza a sociedade machista e cegamente masculinizada na qual estava inserida no início do século XX.

Mary deixa claro em seu livro que a presença das mulheres no mundo político ainda é vista “como tendo ultrapassado os limites ou se apossado de algo a que não têm direito” e conclama as mulheres a trabalharem com afinco para derrubar as estruturas atuais que tem como objetivo descapacitar as mulheres. Ela lembra que a vida de Margareth Thatcher no Parlamento britânico não foi um mar de rosas, mas muitas mulheres no mundo se espelham na sua energia e liderança para chegar ao poder.

Outro destaque do livro é para Ruanda, país africano onde as mulheres ocupam mais de 60% dos órgãos legislativos. E mais, o Conselho Nacional da Arábia Saudita tem uma proporção maior de mulheres do que o Congresso dos Estados Unidos.

Best-seller nos Estados Unidos e na Inglaterra, o livro de Mary Beard deveria estar na cabeceira e nas mesas de trabalho de cada mulher. E olha que ela não entra na vida de outras grandes mulheres que ousaram rasgar o véu da dominação masculina — e algumas pagaram com a própria vida, como foi o caso de Indira Gandhi, assassinada em 1984, na Índia; Benazir Bhutto, assassinada em 2007, no Pasquitão. Mulheres como Golda Meir, de Israel, Kolinda Grabar-Kitarovic, na Croácia; Isabelita Perón, na Argentina; Michele Bachelet, no Chile; Dilma Rousseff, no Brasil; Park Geun-hye, na Coréia do Sul, que teve o pai e a mãe mortos atentados políticos; Sheikh Hasina, do Bangladesh, que sobreviveu a um tentativa de assassinato; ou Violeta Chamorro, da Nicarágua.

Todas as mulheres que cresceram, crescem e crescerão no meio político sofreram, sofrem ou sofrerão perseguições por causa do gênero. Mary Beard defende mudanças profundas na estrutura, afirmando que “não se pode, com facilidade, inserir as mulheres numa estrutura que já está codificada como masculina.” Para Mary, é preciso pensar o poder como um atributo “ou mesmo como um verbo, e não como posse”.

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